Arcano 0 - O Louco

Posted by Jorge Puente Marcadores:


O Louco é chamado às vezes de Arcano sem número. Tem vários significados e no Tarô da Iniciação é considerado a representação do ser humano antes de passar pelos outros Arcanos que vão modelar sua personalidade. Ele parece vir do nada e ir para o nada. Em realidade, na maior parte das vezes o Louco é produzido por uma quebra nas nossas vidas. Nosso mundo desaba à nossa volta e somos impelidos por uma força interna, irresistível, na busca de novos horizontes, de uma realidade completamente diferente. Sem ter mapa nem guia, saímos para a Vida para construir um mundo novo, totalmente diferente daquele ao qual estávamos acostumados. Esta fase costuma ser dolorosa até chegar ao momento da libertação. A partir daí, a energia do Louco toma conta de nós e nos impulsiona em direção a novos horizontes. Nunca é fácil, mas a energia deste Arcano misterioso costuma ser muito benéfica, pois através dela vamos descobrir habilidades e recursos que nem imaginávamos que tivéssemos, assim como também nossa coragem. Na próxima história será a vez da Viviane, uma Iniciada nova e cheia de boas intenções, de quebrar seus limites e encarnar as energias do poderoso Arcano Zero, O Louco.

E assim, a briga número mil com Júlio acabou com ele indo embora e batendo a porta. Viviane se jogou no sofá, chorando. Não sabia o que queria, não sabia o que estava indo mal há tanto tempo... Quanto tempo? Não podia lembrar. Em algum momento do passado tinham começado a brigar e brigar sem parar. Brigas por coisas mínimas, comentários ácidos na frente dos amigos, pequenas vinganças diárias... mas que se dissolviam e compensavam numa noite de amor. Mas essas noites começaram a ser cada vez mais escassas... igual aos gestos de carinho no dia a dia... Viviane começou a ver mil defeitos no seu namorado e, é claro, ele devia estar vendo mil defeitos nela. Entre as lágrimas Viviane olhou para a mesa de jantar, com os pratos e as travessas sem tirar. A briga tinha começado durante o jantar e este nunca tinha terminado. Júlio tinha ido embora falando coisas horríveis. E aqui estava ela, chorando feita Madalena, sem saber o que fazer. Pensou em chamar alguns dos seus mestres, mas sabia o aconteceria: Samara seria firme e Vittorio compreensivo. Mas eles iam dizer a mesma coisa que tinham dito para ela durante os cinco anos de relacionamento com Júlio: foi uma escolha errada.

Decidiu mudar de ares e ir à padaria para ver se achava algo doce (claro que ia achar, doce é o que mais tem numa padaria!). Foi caminhando, era cedo e o bairro era seguro. Voltou com quatro caixas de bombons. Devorou uma no caminho (terminou o último bombom na porta do prédio). Ao entrar no apartamento, o inferno estava aguardando. Não, Júlio não tinha voltado, mas voltou a se defrontar com a mesa de jantar e, pior, no fundo da ampla sala viu a escrivaninha com uma pilha de relatórios que tinha que entregar no dia seguinte. Não deu outra: devorou a segunda caixa de bombons, enquanto fitava os relatórios e aguardava o Júlio voltar. Mas o Júlio não voltou e os relatórios continuaram encima da escrivaninha. Depois de um tempo, com um tremendo esforço (e uma culpa gigante pelos bombons devorados), foi até eles e tentou fazer alguma coisa. Mas nada deu certo. Não tinha cabeça para isso agora.

Voltou para a mesa, levantou o que tinha sobrado do jantar e jogou tudo na pia da cozinha. Esperou um bom tempo acordada o Júlio voltar. Não sabia se pedir desculpas ou continuar com a briga. Mas o Júlio não voltou desta vez. Viviane tomou dois calmantes e foi dormir. No final das contas, no dia seguinte tinha que entregar esses relatórios.

Acordou, tomou banho, café da manhã e nada do seu namorado aparecer. Sentindo um aperto no coração, foi até o serviço. Assim que chegou, o gerente de recursos humanos a chamou na sala dele. Convidou a Viviane para sentar e, com certo incômodo, comunicou que, devido a problemas financeiros, a empresa estava fazendo cortes e... O resto Viviane não ouviu. O mundo acabava de desabar em volta dela. Conseguiu manter a compostura (o gerente foi muito amável, fez questão de dizer que ela tinha sido uma funcionária exemplar e que a empresa lamentava muito ter que prescindir dos seus serviços, e que, claro está, eles pagariam todos os direitos, etc., etc., etc.), se despediu com classe, pegou suas coisas e voltou para casa. Lá se foram as duas caixas de bombons que tinham sobrado da noite anterior. Júlio nem tinha dado sinal de vida e, a essa altura do campeonato, Viviane não estava nem se importando com isso. Dirigiu feita uma louca até a casa da mãe dela e ai sim se deu ao luxo de desabar. Chorou, como dizia a música, até ficar com dor dela mesma. Depois dormiu, muito, muito, muito. Lá pelo final da tarde a mãe chegou com um chá de camomila quentinho e um recado do Júlio. A Viviane tomou o chá. Ficou falando com a mãe até altas horas e voltou a dormir. Depois de cinco anos de briga com o Júlio e tentando se equilibrar num emprego totalmente neurótico, tudo tinha ruído. Agora ela tinha tocado o fundo do poço e, a partir desse momento, seu treinamento já estava funcionando. Algo fez um “clique” dentro dela.

Acordou no dia seguinte, ligou para a mestra dela e marcou uma reunião na empresa onde Samara trabalhava. Foi na reunião essa mesma tarde. Depois ligou para Júlio, para avisar que ia passar buscar suas coisas no dia seguinte. Ele pareceu aliviado (pelo menos ela achou isso). Ligou então para o Vittorio e marcou um encontro em um café. Chegou bem cedo. Ele chegou no horário marcado, deu um beijo nela e sentou.

-Vou embora –disse Viviane, e começou chorar. Ele segurou a mão dela até a ela se acalmar. Ela contou então o que estava acontecendo e que tinha pedido emprego para Samara.

-Ela me arrumou um emprego de representante da empresa onde ela trabalha, vou trabalhar na praia- disse Viviane. E aí conseguiu sorrir, por fim-. Vou começar tudo de estaca zero... mas estou com medo...

-Você não precisa ficar com medo –respondeu Vittorio, curtindo calmamente um chá-. Samara sempre cuidou bem de você. Esse emprego deve ser o que ela acha melhor no seu caso. E você é uma menina forte e cheia de recursos, vai se dar bem..

-Até agora não foi assim, não é? Meu namoro fracassou, fui demitida, aumentei vinte quilos! Também, com tanto chocolate...

-Você escolheu o caminho da Dor. É um caminho tão respeitável como o caminho do Amor.

-E vocês devem estar desapontados comigo... –disse ela. Baixou os olhos e lembrou-se das vezes que eles tinham ficado em desacordo com ela. A vez que ela chegou com um exemplar da “Arte da Guerra aplicada aos relacionamentos” e Vittorio tinha mostrado claramente seu desagrado, ou quando falou do antigo emprego para Samara e ela disse que, por mais que o salário parecesse ótimo nesse momento, aquilo era um beco sem saída. Sempre tinha feito tudo ao contrário dos conselhos dos seus mestres... Mas Vittorio estava sorrindo agora.

-Vivi, você tem que entender que como seus mestres, amamos você e respeitamos suas decisões. Estamos orgulhosos de você, mesmo que às vezes você não siga nossos conselhos, porque você é uma mulher forte e de princípios firmes. Sabemos da sua dor agora, e sabemos que você vai se recuperar. E nós vamos estar sempre aqui, mantendo um olho em você. Pode nos chamar quando precisar, temos mil canais de comunicação, físicos e não físicos –sorriu ele-. Somos como as estrelas, Vivi. Iluminamos seu caminho suavemente para que você não tropece e caia. Podemos te orientar, mas igual que os antigos navegantes, quem decide o rumo é você... O que é que você vai levar? –ele mudou de assunto bruscamente. Viviane pensou um pouco.

-Nada –disse por fim-. Roupa nova, que vou comprar amanhã. Meu pai e meu irmão vão buscar minhas coisas no apartamento do Júlio. Vou levar o que caiba numa mala pequena... e um gato...

-Um gato? –sorriu Vittorio.

-Pois é, minha mãe me deu um gatinho branco. Acho que estou carente, porque aceitei de cara. Ele é fofo!

-Uma bruxa com um gato branco... essa é boa! –Vittorio começou a rir. Falaram muito essa tarde, de muitas coisas. Despediram-se com um abraço apertado e Viviane foi para casa da mãe mais tranquila. Explicou a situação para a mãe dela, que ficou um pouco triste, mas se animou só de pensar que Viviane ia estar bem. “E sempre posso passar uns dias com você num lugar bonito” disse a mãe. Viviane a abraçou, chorando.

Três dias depois estava dirigindo em direção à praia, para uma nova cidade, para um novo emprego, para uma nova vida. Tinha decidido viajar de noite (se sentia mais cômoda dirigindo à noite, na estrada. Achava isso uma situação mágica) e o gatinho dormia no banco do lado. Não sabia o que ia acontecer, não conhecia a ninguém nessa cidade e o serviço era novo. De repente sentiu que as lágrimas caiam novamente dos seus olhos. Mas desta vez não eram lágrimas de tristeza: eram de alívio. Sentia o coração leve e uma expectativa ia tomando conta de todo seu ser: a Vida, com todos seus potenciais, estava se abrindo na frente dela. A Dor ficava momento a momento para trás e o futuro mostrava infinitas possibilidades. Os perigos não a preocupavam mais. Agora dependia da sabedoria dela escolher as melhores cartas e ser feliz.

Acelerando o carro entrou na noite, sempre guiada pelas estrelas, em direção a um novo amanhecer.

Será que a Viviane tomou a decisão correta? Poderia ter feito algo diferente? O que é que você teria feito no lugar dela? Se você achar que o final poderia ter sido diferente, mande um e-mail para mulheresapaixonantes@tarotdatransformacao.com.br.

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