E assim, depois de termos passado pelo frio raciocínio da Justiça, chegamos a um novo arcano. Um anjo feminino está nos esperando aqui, o anjo da Temperança. Ela está tranquilamente derramando um líquido entre dois recipientes. Embora a imagem esteja quieta, sempre tive a impressão de que ao terminar de esvaziar o recipiente superior, ela repete o procedimento ao contrário! Ou seja, as emoções representadas pela água se movimentam calmamente e essa é a ideia deste arcano. Sentimentos calmos fluindo equilibradamente (existe uma referência ao Anjo do Tempo nesta carta, mas de momento vou deixar fora desta análise). Depois da dureza do pensamento da Justiça, esse equilíbrio emocional é reconfortante.
Achamos a Temperança ao sair da frialdade da carta anterior. Ela está ai para nos mostrar como usar nossas emoções de forma positiva. Já aprendemos com a Justiça a pensar com equanimidade. Agora vamos aprender com a Temperança a sentir com equanimidade! Pois essa é a mensagem deste Arcano.
Embora seja uma das mensagens mais simples e claras é também uma das mais difíceis de aplicar. Nossa civilização leva milênios tentando ser mais equilibrada emocionalmente. Acho que conseguimos melhorar bastante, mas estamos longe da meta almejada. Seguimos sendo presa fácil dos nossos arranques emocionais! Um carro nos fecha no trânsito e pronto, já estamos furiosos, xingando alguém a quem nunca vimos antes e a quem, muito
possivelmente, nunca mais veremos na vida! Em segundos reagimos com violência numa discussão familiar e falamos algo horrível, do qual vamos nos arrepender amargamente pouco depois, mas o dano já está feito. Consertar essas feridas pode nos levar meses, anos ou talvez nunca fechem. Parece que é bem difícil conseguir ser calmos, e uma vez que conseguimos sempre vem alguém a nos provocar e (finalmente) a nos arrastar novamente à violência! Mas a mensagem está clara. Não está? Será que não entendemos o que a Temperança está dizendo para nós???
Muito bem, vamos lá. Para analisar esta maravilhosa e complexa carta vou usar uma abordagem um pouco diferente das tradicionais. Vocês já sabem que uso muito a simbologia de Jung e os conceitos de Sallie Nichols para o Tarot (e às vezes o Tarot de Thot, de Alesteir Crowley, ou o Mitológico de Sharmam-Burke), mas neste caso vou usar os conceitos de dualidade de Grant, Soror Nema e Debbie Ford. Começamos?
Vamos partir dessa violência que todos levamos dentro e que se manifesta, aparentemente sem controle, em certos momentos (quase sempre no momento mais importuno!). É interessante notar que nossa sociedade gasta muito tempo tentando nos ensinar a manter a calma. Os valores da paciência e da tolerância são exaltados na maioria das religiões. Deveríamos ser capazes de perdoar setenta vezes sete, segundo o Mestre Jesus. Amar ao próximo é um dos axiomas fundamentais do cristianismo. E então o que é que está acontecendo??? Por que o mundo não parece um jardim do éden???
Podemos ver, em paralelo, uma onda crescente de violência se espalhando pelo mundo. Porque enquanto nossas religiões pregam (teoricamente) o amor ao próximo vemos, por exemplo, centos de filmes “para todas as idades” onde o herói resolve a situação ferindo e matando dezenas (senão centos) de “inimigos”. Esses filmes são campeões de bilheteria. Ou seja, nós assistimos a esses filmes... e gostamos!!! Claro, porque se não gostássemos, eles não iriam durar em cartaz nem uma semana e muito menos iriam produzir sequelas! Violência nos filmes estrangeiros, nos nacionais, nas novelas. Violência nos jornais. Violência vende, certo? Ou seja, a maior parte de nós gosta dessa parte escura da sociedade, isso é um fato!
Bem, e como compaginamos isso com esse ser de asas angelicais que está calmamente passando líquido de um recipiente a outro? Seguindo a linha de Grant e Ford, em primeiro lugar temos que olhar para essa parte desagradável que levamos dentro, a responsável pelo nosso mau humor, nossos arranques de raiva e de intolerância. Está ai e não adianta negá-la. Quanto mais a negarmos, mais ela cresce e, no momento em que adquire suficiente força, surge e toma controle da situação. Esse ser escuro está sempre esperando ser liberado. Você não conhece alguém “super gente fina” que quando bebe dá escândalo? Quando o álcool abaixa as defesas, a sombra aparece. Sim, esse é o nome: a Sombra. Está ai e nenhuma meditação, nenhuma boa ação, nenhum controle mental vai fazer com que ela diminua seu tamanho. E então? Bem, para começar é bom reconhecê-la. Reconhecer a Sombra é o primeiro passo. Tem vários métodos para isso (o livro da Debbie Ford é um bom começo para quem estiver interessado). Conhecer a nossa sombra e saber escutá-la é o início de uma vida mais equilibrada. Quando você entende as mensagens dela, o dia a dia fica bem melhor!
Reconhecendo essa Sombra no nosso interior, estamos reconhecendo que somos seres duais. Que esse nosso lado “bom” tem uma contrapartida não tão boa, mas real. E essa parte “ruim” está ai com alguma finalidade. Geralmente, quando aprendemos a escutá-la, ela nos dá mensagens muito esclarecedoras (se você não aprende a ouvir a sombra neste passo, que é mais fácil, ela te espera na carta da Força, mas lá já tem o tamanho de um leão, viu? Acho melhor você começar a falar com ela agora, que está mais para gatinho...).
E a aplicação prática? A mensagem é muito simples: somos seres duais e o melhor caminho é o caminho do meio! Evite as atitudes extremas. Ninguém está pedindo que você seja um santo nem estão pedindo que você seja um monstro. Tente ser equânime no seu comportamento, e isso implica reconhecer quando você está bravo ou quando você está tranquilo. Lembra da carta da Justiça? Aqui é o mesmo, mas com as emoções. Se você ficou bravo por alguma coisa, avise aos envolvidos e tome as providências para que isso não se repita. E se você ficou feliz com alguma coisa, fale também. Agradeça a quem te fez um favor. Corte aqueles que tentam abusar de você. Não é fácil, pois é o começo de uma nova forma de se relacionar com o mundo. Talvez por isso a mensagem deste arcano seja transmitida por um anjo!
Perca o medo de ser desagradável. Perca o medo de ser agradável. Diga o que pensa com educação e vai se surpreender de como as pessoas vão ficar mais felizes na sua companhia!
Imagens:
-A Temperança (Tarot of Dreams)
-A Temperaça (Ancient Egiptian Tarot)